Boaventura de Souza Santos, o guru decolonial, faz uma análise bem interessante - embora algo descontextualizada e pouco praxiológica - para nossa região: a teologia da liberdade, calcada no Cristo como lutador dos pobres e oprimidos foi sistematicamente substituída pela teologia da prosperidade dos evangélicos, calcada na ideia de que os ganhos financeiros são as verdadeiras bençãos - os ricos e não os pobres herdarão o reino dos céus.
O impacto disto é evidente no espaço amazônico, haja vista que as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) viabilizam um processo orgânico de mobilização popular, sobretudo no campo, tendo em vista um diálogo (não sem fortes contradições) entre catolicismo, marxismo e transformação social.
Nas últimas décadas, o panorama vem mudando substancialmente. A entrada das igrejas evangélicas tem mudado a face dos assentamentos de reforma agrária, bem como orientado a vontade de domínio lucrativo - agora abençoado - dos donos do agronegócio regional. E, de fato, se desenha uma distinção entre vocação popular da teologia da libertação e vocação egoísta da teologia da prosperidade.
A face mais perversa e caricata desta última é a bancada da Bíblia no Congresso Nacional, renovada e estufada que fecha os olhos para morte de indígenas, agricultores familiares, sem-terra, quilombolas (todos merecedores do inferno, segundo o que está implícito na orientação teológica), enquanto agarra as mãos da bancada da bala (militares e policiais) e do boi (agronegócio) num processo de monocultivo da terra, do corpo e do pensamento.
Temos então diversos desdobramentos geográficos violentos: a) empurrão (e extermínio) dos indígenas para fronteira norte; b) perseguição e "deslegitimação pelo peso em arroba" das comunidades quilombolas; c) escalada do desmatamento - que bateu recordes no governo Temer; d) aumento da privatização da terra em detrimento dos título coletivos ou assentamentos de reforma agrária (reduzidos drasticamente nos últimos anos - com perspectiva de absoluto achatamento com a criminalização de movimentos sociais); e) disputa por fiéis dizimistas mais do que agregação coletiva tendo em vista enfrentamentos socais e políticos locais; f) mapa adensado dos jurados de morte em toda a Amazônia, normalmente lideranças religiosas católicas e populares.
Porém, ainda que haja respaldo e concorde em linhas gerais com o argumento de Boaventura, me parece pouco praxiológico. Em termos amazônicos, as organizações de base se articulam às igrejas, mesmo evangélicas, para estabelecer posições de luta nos assentamentos; bem como um conjunto de lideranças (pastoras e pastores) oriundos da luta pela terra rearticulam sua pregação muito mais para calibrar ações em favor de melhorias populares do que em função de um ganho individual estrito.
Em todo caso, há um gosto de abandono dos que trabalham para os outros e não prosperam, criação de uma atmosfera de aversão da luta popular pelo Cristo da teologia da prosperidade evangélica, ao mesmo tempo que o Cristo dos pobres libertário foi sepultado por João Paulo II (Concílio Vatiano II) - e, ainda sim, renasce em experiências vivas nos rinções da amazônia, seja entre católicos ou evangélicos.

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