Varetinha, Vicinal, Varadouro

Travessias - Vicinal do Adão, Pacajá - PA
Nos cinco anos de encontro com os vicinais, eu me escolhi - de um geógrafo sonhando em teorizar o espaço tendo modelos heróicos da ciência, passei à posição de abertura ao tangível do lugar como condição para carne do mundo, sem maiores pretensões que não sejam dizer-é e a atitude da liberação de sentidos subjetivos como fazer-saber que rejeita hierarquias entre os que partilham. As vicinais transamazônicas - seus professores, seus estudantes, a vida pulsando nesta fricção geográfica que não se reduz ao espaço e menos ainda ao território, foram "o onde existencial" do entrelaçamento que vai continuar depois da tese. É preciso abandoná-la e cumprir o ritual acadêmico de titulação quando se sabe que não será possível, felizmente, terminá-la.
Imagem do ato de imaginar uma fotografia do céu.
PDS Esperança, Anapu - PA.
O documento escrito não pode ser - embora, normalmente o seja - o centro circulante da vida acadêmica. É preciso tornar o mesmo outro do outro para que a diferença da diferença no mundo não esgote, não sedimente na palavra douta que exige silêncio de todos. Sem moralismo direcionado à espantalhos é preciso admitir o fracasso, o retumbante fracasso de fazer o que parece tanto e tanto ser muito menos do que se deveria fazer.
Horizontes abertos, Vicinal Ladeira da Velha, Pacajá - PA
Na varetinha, o primeiro caminho, vacilante, estreito, fechando-se logo atrás de sua abertura, é sempre o início de uma vida vicinal - cuja distância não significa só tempo e espaço, mas distendimento do corpo, extenuação de si, silêncio saturado e ausência de horizonte, princípio que não se confunde com o Nada.
A vicinal então se avoluma no trânsito, nem aqui nem lá, vazando de lama na capoeira, interiorização infinita no estreitamento do horizonte, do limiar.
Mapa Mental de Estudantes da
Vicinal Santana, Anapu - PA
A presença da vicinal anuncia lançamento coletivo ao projeto de vida em campo, primeiro na varetinha e à picada, depois no engajamento corpóreo individual e coletivo - jamais redutíveis um ao outro, não simétricos e sempre imbricados - que tem de fracassar diante das condições e maquinações do mundo do sistema, não a foucaulteana "estratégia sem estrategista", mas intencionalidade difusa que se adensa sobre o corpo em campo vicinal para decretar sua inexistência por múltiplos deslocamentos: geohistóricos, geocartográficos, geobiográficos, até a morte. Muitos e muitas morreram neste período e tantos outros coletivos passaram a inexistir na ordem das coexistências públicas (múltiplas?).
E, no entanto, os vicinais se encorpam, lançam sua voz que é feita de toque e proximidade além da projeção cartográfica, além de representações sistemáticas, mesmo as que do seu lado pretendem aplainá-los em categorias politicamente totalizáveis.
O outro é diferença da diferença - o não, não é o avesso simétrico do sim, é eco da inexistência que, na fratura do geográfico comum realiza um salto: reXiste.
Reunião com a Professora Angela, Núcleo B,
Assentamento Rio Cururuí, Pacajá
Professora Terezinha - Mapa Artesanal
 Ladeira da Velha, Pacajá
Salto que se a visão de sobrevoo não prende, é porque só o olhar enfiado, à distância de um toque, não medusado, tem este poder ambíguo de criar aparecimento, numa palavra: fenômeno. Não mais como vicinal, e sim conexão entrelugares, atravessamento transbordante, hemorragia de vida que coagula aqui e ali, criando uma rede que é memória e projeto, ancestral e fictícia - e aí mora sua potência encarnada - a ficção é condição para atravessamento narrativo na geocartografia regional: o Varadouro. É para este "caminho de caminhos, nó de trajetórias corpóreas" que almejo seguir, adiante já vão mestras como Ângela Nunes e Teresinha de Jesus, mulheres-em-campo, mães e professoras, varando o impossível e o fracasso para educar e educar-se, à beira, à borda, em situação-limite. Varadouro é a travessia que conecta rio e estrada no interior das geograficidades amazônicas, fazer-se Varadouro é escolha e destino.

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