Quando o dedo toca no mapa

Ela desdobrou o mapa no chão vicinal, tomado do INCRA para ter ideia geral da distribuição dos núcleos no Assentamento. Uma série de linhas retas recortando um campo branco, na borda linhas sinuosas indicando rios: Pacajá ali, acolá o Arataú. Dentro destes limites aos por fora do lugar como eu era um labirinto incompreensível. Então, ela tocou com seu indicador e algo aconteceu: fenômeno. O aparecer que num fluxo une tocador e o tocado, veda a separabilidade sujeito e objeto, destitui uma plotagem feita em corredores distantes de sua fria métrica pelo poder das mãos que exige a atenção quando toca e diz - aqui.
Retomando memórias perdidas, recontando situações vividas, indicando com rigor quem e onde, trazendo o calor da luta desesperada por um chão, nomeando a terra arrasada por madeireiros, invocando coexistências e a espussura não simétrica, mas que inundava a simetria do papel com vida e morte. O papel grosso transmutava na porosidade do lugar, cambiante, precário, mas único possível criado (mais que produzido) nesta fricção vicinal.
O dedo toca a linha plana de um mapa desdobrado no chão, o dedo também toca o chão através do mapa – chão que é a concretude sobre a qual está a representação dele próprio e neste toque dos dois solos se projeta a fala que reativa a memória do que se vive, pela terra, jorro de imagens vivas lugarizáveis e nunca mapeadas naquele mapa, a não ser neste breve encontro, distendido, dolorido:
“Aqui é o Jota (J), aonde houve a chacina, aonde mataram [...] oito, aqui no J [Núcleo, hoje vila J, Assentamento Rio Cururuí, Pacajá – PA”.

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