Quem dá conta dessa formação como professor(a)?


Conversação sobre a História do Lugar - Assentamento Rio Cururuí, Núcleo B, Pacajá-PA. Foto: Professora Angela Nunes



Um levantamento breve e nada exaustivo pode revelar o óbvio inconsequente: há tantas prescrições sobre o que é importante conhecer direcionadas aos professores e professoras da educação básica que, neste rosário de prescrições - menos metodológica e muito mais abstracionistas em sua maioria - imagino não existir humano que dê conta de uma formação para tudo que inventam que devemos ter de saber e fazer! 
Como professor da educação básica e do ensino superior sei muito bem o quanto a posição assimétrica de poder, prestígio e condições de trabalho podem nublar nossa visão "de cima" sobre a Educação Básica, com suas 200 horas mínimas (deslocando-se entre várias escolas), salas lotadas e sem infraestrutura em sua maioria (pensem nas tardes escaldantes amazônicas), sem outros espaços como biblioteca ou sala de informática ou tempo para estudo e participação em eventos dialógicos, não raro sem merenda e no limite da violência explosiva que invade, cada vez mais, as entranhas da escola no Brasil que está involuindo em termos de políticas públicas à educação.
E ainda temos que lidar com a multiplicação de formulações que colocam, educadamente - pela linguagem impessoal e não fulanizada da ciência - o que fazemos errado e deveríamos acertar! 
Normalmente publicações oriundas do ensino superior onde a metodologia e o exercício de práticas educativas chamativas para além do "vamos ler e discutir o texto de hoje" não parece oferecer das melhores paisagens ao processo de "construção de conceitos" (termo que, assim como formação de cidadão crítico, começa a me dar urticária, por seu uso esvaziado em não poucos textos, como se o anúncio protocolar resolvesse previamente a questão).
Por que estes "gestores das incapacidades alheias" não olham para o próprio umbigo antes de acusar as/os professores/as da educação básica de "tradicionais" e "descontextualizados da realidade vivida"?
Por isso, cada vez mais, me interesso pelo que está já sendo feito, do jeito que está sendo feito, na ponta, aos "trancos e barrancos", e nesse aí, sempre como aprendente e junto com, suscitar extrapolações, reticularidades, co-criações, visibilidades mútuas, trocas corpóreas experienciadas, maturações comprometidas no lugar em que acontecem - inclusive em sua dimensão política combativa da precarização geral e desvalorização seletiva dos/das professores/as. 
Caminhada Geocartográfica - Assentamento Rio Cururuí, entre os núcleos B e D, Pacajá-PA. Foto: Professora Angela Nunes
Se há alguma prescrição a se fazer - e quase sempre é exigido uma na sessão "considerações finais e recomendações" - é a comunicação deste tucupí não totalizado que se faz na contingência e na estruturação de processos de aprendizagem. Onde o/a professor/a de formação ruim, desvalorizado/a financeiramente, distante das centralidades urbanas ou nas periferias centrais, adoecida/o pela auto-estima profissional achatada, em escolas que mal se sustentam em paredes e buracos; este mesmo/a professor/a e seus estudantes exibem uma vontade indomável e fazem ver realizações não mapeadas, não publicizadas, do conhecimento marinado na labuta diária, no encontro proximal, no foco das problemáticas miúdas com grande potencial transgressor, inclusive para repensar os limites do pensável geocartográfico.
Conversação sobre a História do Lugar - Assentamento Rio Cururuí, Núcleo B, Pacajá-PA. Foto: Professora Angela Nunes
É aí-junto-com que fica muito evidente: não há ser humano viável no planetário de exigências de formação, nem mesmo os que exigem formar a todos nós e, na ânsia de comunicar a generalização útil à educação nacional, transformam estudantes e professores de corpos presentes em médias ausentes para nossas elucubrações descorporificadas. 
É preciso deslocar e desdobrar nosso foco para um onde projetando-se tenso e cambiante, mas ainda assim projeção! Caso contrário a projeção ficará atolada em prescrições que não enxergam as singularizações irredutíveis e suas narrativas suadas pelos caminhos da vida não prescrita.

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