A doce (e poderosa) ilusão da simetria espacial

A simetria sedutora - reflexo condicionante de maneiras de ver o espaço transamazônico.
Quando estudamos a "área" paraense da Transamazônica, seja na perspectiva dos planos de Estado, da imagem satelital - base da cartografia hoje - e em muitas pesquisas sobre a espacialidade sub-regional, uma simetria se evidencia com força explicativa apriorística: o modelo espinha-de-peixe. A transparência deste modelo não é apenas sedutora, ela impõe "maneiras certas de ver", sobretudo onde ocorreram Projetos Integrados de Colonização (PICs), como Marabá e Altamira, ou seu entorno geográfico de cotidiano menos colonizado. 
A espinha-de-peixe impõe-se como marca e matriz imagética: produtiva de imagens repetitivas e atualizadas, encaminhando interpretações cujo eixo central é: a) o fracasso do modelo desenvolvimentista de "urbanismo rural"; b) imposto pela Ditadura Civil-Militar como caminho de exploração em escala planetária dos minérios e madeiras; c) financiando mega-empreendimentos pecuários/especulativos que, junto à migração massiva ao interior da Amazônia decretaram sua degradação socioambiental. 
O poder satelital de estabelecimento da verdade ao nível topográfico desde uma escala privilegiada em detrimento à outras. Imagem: www.oeco.org.br
Ao que parece, para superar o fracasso insuperável foi necessário esquecê-lo ou relembrá-lo (criticamente) na imagem geográfica congelada da espinha-de-peixe que sintetiza a Transamazônica.
A simetria entre plano-projeto-olhar parece fora de contestação, é o quadro cartográfico de onde parte a maioria das interpretações sobre a "Região da Transamazônica" contemporânea. O problema é que esta visão tem um privilégio escalar em relação a outras, sobretudo mais lugarizadas; a simbologia que veicula esvazia símbolos não apenas de significados, mas de emoções, prestando-se à repetições explicativas que sedimentam uma "projeção" sobre o espaço, mais como quadro condicionante-condicionado do que intensidade entre coexistências que são aberturas ao possível e ao pensável. 
Modo adocicado - mesmo quando crítico - de "fazer-ver", replicando a visão de cima e de longe; emparedando, petrificando, medusando a realidade geográfica contemporânea para fins de uma síntese parcial repetitiva. 
Mapa mental de estudante da Escola Santa Júlia, Vicinal Santana, Anapu-Pa
Enquanto isso, em outra relação escalar - que não é menor, e sim original porque proximal - a espinha-de-peixe deixa de ser o que é para nos convidar às suas entranhas, reticularidades, de varetinhas à varadouros, encontros com rios, amplitudes topográficas muito mais ressonantes do que a extensão local nos faria supor, dobras e entreplanos in-visíveis. 
Convite ao repensar da cartografia: projeção-escala-simbologia, na compreensão da Transamazônica, onde mais do que a verdade satelital possamos fazer entrar no diálogo a situação de indivíduos/coletivos em sua imaginação objetiva-subjetiva (fundamento e abertura geográfica), reconfigurando o lugar do fracasso/paralisado/esquecível como o lugar de projetos impossíveis.

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