Geografias da Infância Amazônica

Crianças no Campinho. Autoria: Alex Cruz, Núcleo-Vila A, Cururuí, Pacajá, PA, 2015.
As brincadeiras e maneiras de construí-las constituem a geografia da infância, como propõe, Lopes e Vasconcellos (2006). Esta geografia recorta a fisicalidade do espaço - praça, vicinal, rua, rio, mata, deserto - produzindo o tempo da brincadeira e um ambiente que se repete-na-diferencialidade - exercício criativo do lugar efêmero que não é resultante só do que "se quer", mas o que "se pode", portanto, depende das condições gerais e imediatas deste acontecimento: "o onde-como brincar".

Geografização fugídia, intermitente, não possuindo limite claro, tem mais a ver com intensidades de partilha e sentido subjetivo que se enraíza e sensibiliza. Uma expressão de existir como criança em contexto cultural, econômico e político, mas diferencial, inscrevendo certa autonomia das crianças no seu ato de ser geográfico.
Territórios do Brincar. Still do Filme dirigido por Renata Meirelles e Davi Reeks
Nas vicinais temos as subidas nas árvores, os piques nos quintais, as descidas das ladeiras, corridas até o rio, o campo de terra para bola, as encenações e versos de repente no descasque da mandioca. Em comunidades ribeirinhas há uma interpenetração de variáveis ecológicas e sazonais no brincar de conduzir canoa, fazer gaiola, a exploração do ambiente interpenetram socioespacialização e ludicidade, criando espaços internos, externos e de transição apropriáveis nas brincadeiras, com certa diferenciação entre gêneros (Reis, et. all, 2012).
Brincadeira de Criança, Melgaço, Expedição Guarycuru - Viviane M. Barreto, 2013. Fonte: O Estadão.
E assim, como insinua Teixeira e Alves (2008), é construído um brincar de aprender ou um aprender brincando, como na passagem: 
"Ros [conversava com o irmão mais novo, Pat de 4 anos]: . . . Esse açaí parece que não está bom, acho que ninguém vai querer comprar... Tá muito duro. 
Pat: Tá não. Tá gostoso. 
Ros: Então, vamos levar lá pro porto pra vender [em seguida, Ros carregou a rasa. Pat correu e segurou de um lado do cesto. As duas crianças se dirigiram até uma pequena tábua, localizada mais adiante no terreiro]. Aqui é Belém. Quem quer comprar açaí? [Dirige-se ao irmão mais novo e diz] Tu és o comprador, vem comprar. 
Pat: Tá bom. Me dá um pouco. 
Ros: Cadê o dinheiro? 
Pat: Não tenho. 
Ros: Pega umas folhinhas ali e faz-de-conta que é dinheiro [Pat colheu umas folhas no quintal e deu para Ros, que colocou um pouco de pedra [frutos do açaí] dentro de um copo descartável, encontrado no quintal e deu para Pat]" (TEIXEIRA; ALVES, 2008, p. 380).
Parquinho. Fonte: http://www.odemocrata.com.br
É interessante como a metrópole, ao demarcar separações visíveis-invisíveis, repercute nesta geografia de infância, separando, homogeneizando, delimitando, até mesmo prescrevendo como se deve brincar - os plays dos condomínio exclusivos, o videogame individual e seus jogos online do grupinho, a praça destinada a certas classes e não outras, as quadras de bairros elitizados e das periferias, baixadas e favelas revelam fraturas não só no espaço relativo-relacional, mas simbólico-emocional, configurando sentidos que introduzem nas brincadeiras o componente classista, racista e até sexista (que não é exclusivo da metrópole), esgarçando o tecido da própria convivência possível já em sua costura: a subjetividade e a lugaridade infantil.
Porém, este esgarçamento é a condição para novos entrelaços, nessa separação de pretensos homogêneos reprodutíveis pode surgir um intervalo para colisão gostosa das diferenças em novo, aprendizados mútuos e aberturas possíveis - talvez resíduos criados no entrelaçamento de infâncias ainda não formatadas pelo domínio adulto.

Referências de percurso (além de umas pitadas de Merleau-Ponty e Lefebvre):


LOPES, Jader Janer Moreira; VASCONCELLOS, Tânia de. Geografia da infância: territorialidades infantis. Currículo sem fronteiras, v. 6, n. 1, p. 103-127, 2006. Disponível em: http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/educacaopublica/article/view/915.

REIS, Daniela Castro dos; MONTEIRO, Eline Freire; PONTES, Fernando Augusto Ramos e SILVA, Simone Souza da Costa.Brincadeiras em uma comunidade ribeirinha amazônica. Psicol. teor. prat.[online]. 2012, vol.14, n.3, pp. 48-61. ISSN 1516-3687.

TEIXEIRA, Sônia Regina dos Santos and ALVES, José Moysés.O contexto das brincadeiras das crianças ribeirinhas da Ilha do Combu. Psicol. Reflex. Crit. [online]. 2008, vol.21, n.3, pp.374-382. ISSN 0102-7972. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722008000300005.

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