Geocartografia na Escola Santa Júlia, Vicinal Santana, Anapu (PA)

Mapas, como representações espaciais, tendem a produzir uma percepção padronizada das realidades. Quando pensamos em território brasileiro, quase automaticamente, repercutimos no acervo imaginário os contornos políticos em formato de mapa.
Isto vale também para a Região Amazônica - mesmo que se queira no plural; o que se modifica é o "zoom", mas não as formas de comunicação padronizada, nossa partilha [em-sendo] com outr@s é geograficamente unívoca, salvo raras exceções. O resultado é o "olhar de medusa" e o "olhar de sobrevoo", como nos diz Merleau-Ponty: petrificação e distanciamento, duas condições científicas.
Tentar outro caminho, de representações entrelugares por crianças que os vivem como seus horizontes de sentido (direção interpretativa, não só de compreensão mergulhada), as professoras e professores de algumas vicinais de Anapu e Pacajá (PA) desenvolvem outras expressões geocartográficas.
Este projeto surgiu de uma vontade partilhada entre nós, alimentada por uma intuição forte: a geografia que se aprende é determinante para o olhar que temos do mundo - e se a aprendemos de maneira padronizada como "medusa e sobrevoo", construímos um conjunto de dessensibilizações espaciais: a) desconhecimento e desinteresse em relação à dinâmica espacial dos próprios lugares; b) sentido depreciado de si-mesmos, como "aqueles que não aparecem porque não seriam importante"; c) conhecimento fraturado das relações entre escalas: concêntrics e apriorísticas no trio singular-particular-universal e não construídas em fenômenos que podem ou não acionar diferentes escalas e se expressam em escala não apriorística; d) desvalorização e desconhecimento das relações entre lugares, territórios, regiões e espaços, porque não se exercita a representação de seu ambiente e ambientes diferenciais em possível conexidade interpretável e cartografável; e) derrota do encanto cartográfico, fundamental como princípio e fronteira constitutivo das novas maneiras de "dizer o mundo.

 Portanto, quero agradecer ao professor Samuel Mendes e aos estudantes da E.M.E.F. Santa Júlia, Vicinal Santana, Anapu, Pará; pela acolhida, vivacidade, criatividade e vontade de saber-se através da geografia, ainda de sobrevoo, ainda medusada, mas em re-criatividade, não uma simples aproximação - a famosa escala cadastral - mas intersubjetivação do próprio espaço geográfico em processo.
Esta geocartografia de muitas facetas, será interpretada conjuntamente por professores, crianças, pais, vicinais. São muitos desenhos, imagens, vídeos, relatos, memórias que não me parece que queiram (ou necessitem) de explicação, mas de compreensão - deixar com que as mulheres e homens vicinais realizem seu "dizer-é", deixar com que as crianças falem sobre seus lugares e seus geossímbolos, em um processo tenso de afirmação e fratura que é sua história de r-existência, enquanto a extinção programada à beira da Transamazônica avança difusa e ininterruptamente. É desta compreensão que necessitamos nós, geógrafos, caso contrário faremos "atestados de morte dos lugares" em sobrevoos e petrificações científicas, contribuindo para que a Geografia seja - o que é louvável - produção do conhecimento, mas não a realização de projetos de mundo que não se permitem uma lógica estruturante, mas desviante, que não se permitem uma arquitetura rígida e sistemática, mas trajetiva entre o visível e o invisível. Sobretudo uma geografia que não desperte a paixão pela necessária criação de coexistências, mas apenas um decalque de justaposições e planos-lisos, digitalmente deslumbrantes e esvaziados de vitalidade encorporada. Os mapas das crianças vicinais são presentes e dádivas para uma cuidadosa reflexão-ação transamazônica.




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